
A recuperação económica, por si só, não é garantia de um desenvolvimento sustentável. É esta a primeira conclusão do relatório “O paradoxo da recuperação na América Latina e Caraíbas – Crescimento com persistentes problemas estruturais: desigualdade, pobreza, pouco investimento e baixa produtividade”, realizado pela Comissão Económica para a América Latina das Nações Unidas (CEPAL) e divulgado pela Academia IPDAL.
Já antes da pandemia, o crescimento económico na região estava praticamente estagnado, em cerca de 0,3%, sendo a América Latina hoje considerada a região do mundo mais atingida pela Covid-19. No entanto, segundo a CEPAL, o impacto da pandemia na economia latino-americana só pode ser explicado pelas lacunas estruturais que já existiam no continente e que foram acentuadas pelos efeitos negativos da pandemia.
Como medida de reação, em 2020 foram decididos estímulos fiscais sem precedentes, que corresponderam a 4,6% do PIB, de modo a atenuar os efeitos da crise. Contudo, estas medidas acentuaram problemas como a desigualdade, pobreza, desigualdade de género, desemprego, ou baixa produtividade. Assim, é expectável que em 2021 e 2022 se confirme uma recuperação económica (tabela 1), mas esta deverá aliar-se a estratégias que visem atenuar as lacunas estruturais da economia.

Tabela 1: Evolução PIB em 2020 e previsão para 2021 e 2022.
Destas, destacam-se a pobreza e as desigualdades. O aumento do desemprego e a diminuição das oportunidades de trabalho afetaram vários grupos da população, mas em especial aquele que já tinha menos rendimentos. Isto elevou a percentagem de pobreza extrema para 12,5% e a da pobreza para 33,7%. Foi a primeira vez em décadas que a tendência de diminuição de pobreza na América Latina retrocedeu.

Figura 1: Variação da pobreza extrema e da pobreza em (8 países) América Latina, 2020.
Ficou ainda demonstrada a vulnerabilidade das classes médias. A proteção social insuficiente – e as suas consequências – foram colocadas em evidência pelos confinamentos e decorrente paralisação da atividade económica. Entre 2019 e 2020, enquanto a percentagem da população de médio-alto rendimento contraiu 1%, a de médio-intermédio e médio-baixo reduziu 3,5%. Pode-se observar a variação das percentagens dos grupos sociais por grupo rendimento entre 2019 e 2021 na figura 2.

Figura 2: População por níveis de rendimento per capita em 2019, 2020 e 2021.
Mais, a crise do mercado laboral causou igualmente impactos na cobertura das prestações das pensões. O número de contribuintes para a segurança social diminuiu 5,3% em relação ao ano de 2019 e 2020, e verificou-se a percentagem maior nas contribuintes do sexo feminino ao invés do sexo masculino.

Figura 3: Variação da cobertura de contribuintes na população de faixa etária ativa no trimestre outubro-dezembro 2019-2020.
Por fim, fala-se do risco de uma geração perdida, devido ao encerramento das escolas e universidades, que afetaram dramaticamente a população mais jovem e levaram a que cerca de 3,1 milhões de jovens no continente tivessem de abandonar a escola.
Estes problemas estruturais da economia da América Latina foram intensificados pelos impactos pandémicos, o que obrigou aos países do continente a implementarem medidas de proteção social não contributivas, destinadas a garantir as condições básicas de vida.
Para além das consequências sociais, a pandemia levou ao retrocesso das políticas ambientalistas ao mesmo tempo que avançam os efeitos negativos para as alterações climáticas, o que coloca em causa o desenvolvimento sustentável. A redução de atividade da sociedade com as medidas restritivas ofereceu algum alívio à natureza, mas as declarações e os anúncios de maior ambição em relação às políticas climáticas são menos recorrentes devido à emergência socioeconómica.
A CEPAL defende, assim, a necessidade de uma recuperação transformadora, em que as medidas urgentes tenham uma visão de longo prazo e que estas sejam coerentes entre si. A primeira estratégia é acompanhar a ação dos países desenvolvidos no combate à pandemia, especialmente no que diz respeito à vacinação e recuperação económica, já que a América Latina está a ficar para trás nesse processo e pretende-se que não se aumente assimetrias entre os países desenvolvidos e não desenvolvidos. A segunda estratégia é a manutenção das políticas fiscais expansivas, para assim continuar a mitigar os efeitos da pandemia e a avançar para uma recuperação com igualdade. Finalmente, o organismo da ONU incentiva o financiamento ao desenvolvimento, que potencie novas iniciativas, a manutenção das transferências de emergência, e por fim, o fortalecimento da saúde e a educação públicas.
Texto: Jéssica Flores
Edição: Filipe Domingues