A invasão russa da Ucrânia, iniciada em fevereiro, provocou um choque imediato no mercado de commodities em todo o mundo, mercado esse que já se encontrava afetado pelas diversas disrupções nas cadeias de valor (bem como devido à alta demanda de matérias-primas com a recuperação pós-pandémica), afetando profundamente a economia global como um todo.

Apesar da América Latina possuir poucas relações diretas com os países em conflito, sofreu consequências derivadas das repercussões internacionais da guerra. Baseando-se nestas consequências, o FMI divulgou na última terça-feira uma revisão das previsões do crescimento económico mundial para 2022 e 2023, apresentando mudanças significativas para o continente latino-americano.
A revisão feita pelo Fundo Monetário Internacional regista um crescimento mais favorável à América Latina, comparada com os números de abril. Assim, no que se refere à região como um todo, as previsões de crescimento aumentaram um ponto percentual, passando de 2,5% para 3,5% em 2022. Mesmo assim, os números representam uma queda de 3,4% comparados aos valores de 2021, quando a região cresceu 6.9%.
O FMI prevê que o Brasil, maior economia da região, registe um crescimento de 2,8%, 2 pontos percentuais acima do previsto em abril. Por outro lado o México, a segunda maior economia latino-americana, conta com uma previsão de crescimento de 2,1%, registando um aumento de 0,1% em relação ao estipulado anteriormente.
Este crescimento superior ao esperado deve-se à subida dos preços das commodities, causada sobretudo pela invasão russa à Ucrânia. Para além disso, a conjuntura ainda favorável às condições de financiamento e a normalização das atividades em setores de contacto intensivo também se apresentam como fatores justificativos da previsão.
Apesar disso, espera-se que o crescimento económico da zona reduza significativamente no final de 2022 e em 2023, como resultado de um crescimento mais baixo dos seus parceiros comerciais, de condições para financiamento mais estritas, e da provável redução nos preços das matérias-primas. Assim, as previsões para 2023 apontam para um crescimento de 1% para o Brasil e de 1,2% para o México, cerca de 1,8% e 0,9% mais baixas do que em 2022, respetivamente. A região na sua generalidade também sofrerá uma queda de 1,8%, crescendo apenas 1,7% em 2023.
Apesar da previsão de quebra do crescimento económico para a América Latina em 2023, o Fundo Monetário Internacional antecipa que a taxa de inflação também desça, passando, no caso brasileiro, de 9,4% em 2022 para 4,7% em 2023.
Em suma, a divulgação destes novos dados do FMI evidencia que o conflito no leste europeu provocou uma série de consequências a nível internacional, designadamente problemas relacionados com o fornecimento de matérias-primas.
Neste sentido, precedentes relacionados com alterações no preço das commodities, (tais como a crise dos preços dos combustíveis na década de 70 e o aumento dos preços das matérias-primas nos anos 2000), demonstram que a melhor saída para contornar a crise atual prende-se com a combinação da implantação de políticas de governança apropriadas, associadas a um ajustamento natural do mercado de maneira a reduzir a tensão existente. Assim, as medidas mais plausíveis prender-se-iam com o incentivo da produção de novas fontes energéticas sustentáveis e com a promoção de políticas de eficiência energética. No entanto os Estados, pelo menos a curto prazo, têm preterido estas políticas e privilegiado a imposição de sanções económicas e subsídios para a compra de combustíveis fósseis.
Verifica-se então que as circunstâncias conjunturais demonstram, caso a guerra na Europa se prolongue por muito tempo, a tendência do mercado para o reajustamento, o que significaria para uma queda no crescimento económico da América Latina. Como resposta esta deverá procurar investir em novas fontes de geração de riqueza para manter o seu crescimento.
Texto: Guilherme Portes
Edição: Manuel Raposo
Fontes:
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