O Relatório de Economia e Desenvolvimento (RED) de 2021 da CAF - Banco de Desenvolvimento da América Latina -, intitulado “Caminhos para a Integração – Facilitação do comércio, infraestrutura e cadeias globais de valor” descreve o contexto económico e estrutural da América Latina e aponta caminhos para um aprimoramento da integração económica regional.
O RED indica que, nos últimos 30 anos, os países da região implementaram políticas de abertura comercial de forma unilateral, multilateral e através de acordos comerciais. Contudo, apesar destas políticas terem gerado aumentos no comércio e nos investimentos, a participação da região nas exportações globais não se modificou substancialmente. Estas medidas de abertura comercial não proporcionaram aumentos significativos e sustentados no comércio intrarregional, que estagnou por volta dos 15% do total das exportações desde meados da década de noventa.

Com isto em vista, o relatório destaca quais têm sido as causas do baixo desempenho intrarregional, assim como os aspetos a serem corrigidos, que atuam diretamente sobre os custos do comércio internacional, quais políticas regulatórias podem ser aplicadas e, ainda, quais as condições institucionais que afetam o avanço. O RED busca apontar ainda se o baixo nível de intercâmbio entre os países também está relacionado com a baixa participação da região nas cadeias globais de valor.
A hipótese levantada é a de que a baixa inserção internacional das empresas na América Latina acontece, em parte, devido ao pouco aproveitamento do espaço regional como complemento de uma estratégia de expansão global das exportações.
O relatório da CAF aborda vários obstáculos a um maior desenvolvimento do comércio intrarregional na América Latina, como as barreiras tarifárias e não tarifárias (que elevam os custos aduaneiros) e o atual desenho das infraestruturas de transporte.
A persistência destas barreiras ajuda a explicar o baixo dinamismo do comércio. Além da redução de tarifas, a busca por uma maior facilitação do comércio é feita através da simplificação de procedimentos que condicionam a movimentação de bens e serviços. A padronização, a digitalização e a harmonização de diferentes documentos e procedimentos, permitiriam a redução do custo aduaneiro final. As medidas sanitárias e fitossanitárias estabelecidas devem ser aplicadas de forma transparente e previsível, de forma a não representarem restrições comerciais.

Quanto às infraestruturas de transporte, o RED também aponta espaço para redução de custos neste problema generalizado na região. A título de comparação, o relatório aponta que a América do Sul enfrenta no comércio intrarregional custos de transporte das suas exportações 15% superiores aos da União Europeia, enquanto que a nível extrarregional já não se observam diferenças entre as duas regiões.
A fraca conectividade terrestre (tanto rodoviária como ferroviária) entre os países que compartilham fronteiras resulta numa barreira ao comércio. A baixa densidade da malha viária existente na região compromete ainda a integração produtiva e o estabelecimento de cadeias regionais de valor.
Neste aspeto, o relatório aponta que as políticas públicas têm um importante papel a desempenhar. O RED sinaliza a necessidade de manter uma matriz de investimento equilibrada entre itens de conservação preventiva da infraestrutura existente, restituição de infraestrutura deteriorada e de novas obras, mas aponta as dificuldades em manter infraestruturas já existentes, como o retorno político que se tem de cada dólar alocado para manutenção comparado com o que se tem em novas obras; problemas fiscais, uma vez que quando se tem pouco espaço fiscal tendem a ser priorizadas despesas urgentes em detrimento da manutenção; entre outros.
A integração energética e a participação nas cadeias de valor também são tópicos abordados como vitais para uma maior integração interregional no RED 2021. O facto de que a eletricidade não é armazenável faz com que haja a necessidade de uma coordenação entre escritórios nacionais, com diferentes regras de funcionamento, para o estabelecimento de uma infraestrutura de transporte essencial para a integração energética. O comércio da eletricidade pode produzir benefícios pela possibilidade de alcançar economias de escala na produção e consequente redução de custos, o que melhora a segurança do abastecimento e reduz os impactos de possíveis choques. Esta integração ainda permitiria reduzir a volatilidade dos preços associados a uma grande variedade de fontes de energia, o que favorece o aproveitamento das defasagens de oferta quando ocorrem picos de demanda.
A participação em cadeias globais de valor é outro ponto destacado pelo relatório. A fragmentação existente na produção atinge não apenas empresas que estão diretamente envolvidas nas atividades de comércio exterior, mas também aquelas que não exportam e que produzem algum bem para as que integram a cadeia. Por isso, as políticas podem ser executadas de forma a promover a integração da produção.
Para além das já apresentadas políticas sobre medidas tarifárias e não tarifárias, melhoria nas infraestruturas de transporte, o relatório advoga em favor de políticas de promoção do investimento direto estrangeiro (IED), regimes especiais de importação e regras de origem.
As regras de origem estipulam normativamente a relação entre insumos e produtos na fração do comércio internacional regida por acordos comerciais. Quando estas regras são muito rígidas, podem desestimular a integração produtiva e desvios de comércio em favor de países pertencentes a um acordo de livre comércio. Já a presença de IEDs requer entornos económicos e políticos estáveis, com sistemas jurídicos que protegem a materialização dos ganhos obtidos. A abertura económica dos países permite uma comercialização fácil, a importação de insumos necessários e a exportação da produção, o que acaba por atrair IEDs. Finalmente, os regimes especiais de importação permitem a importação de insumos com isenção de impostos, desde que sejam utilizados na produção de bens que serão exportados. Este último é amplamente utilizado nos países da América Latina.

Desta forma, o RED 2021 conclui que a agenda de integração pode ser resumida em 3 aspetos diferentes. Primeiro, a redução dos níveis tarifários aplicados unilateralmente e incompatíveis com um regionalismo aberto deve ser complementado com negociações bilaterais ou plurilaterais.
Segundo, o relatório aponta a necessidade de trabalhar na redução dos custos alfandegários, de fronteira e em melhorias substantivas na infraestrutura de transporte, no sentido de facilitarem a integração física entre os países. E, por último, as regulamentações domésticas e regionais devem facilitar a integração produtiva, promovendo a participação das empresas em cadeias globais de valor.
O relatório afirma que estas medidas de abertura que já foram inicialmente tomadas ocasionaram questões conjunturais – como crises macroeconómicas com consequências negativas e volatilidade política que impedem consensos entre países na redução de barreiras – e questões estruturais – uma vez que os benefícios da liberalização e integração do comércio não são distribuídos de forma equilibrada entre os diferentes atores económicos. Com isto em vista, e com a resistência que pode ser identificada devido às externalidades negativas supracitadas, o RED aponta que o processo de integração e de abertura comercial deve vir acompanhado de uma institucionalidade e de capacidades estatais apropriadas para o desenho e implementação que se desejam.
Esta nova institucionalidade proposta deve alinhar os interesses dos setores que beneficiarão, mas também buscar auxiliar setores que podem enfrentar maiores dificuldades devido ao processo de integração e abertura. Para isso, são necessários recursos, mas também capacidade de coordenação entre diferentes Estados, setor privado e com outros governos que possam vir a ser parceiros nestas iniciativas.
Pode ler o resumo executivo, em português, na íntegra aqui:
Pode também aceder ao relatório completo, em espanhol, aqui: