
Quando a pandemia Covid-19 se instalou globalmente no início de 2020, muitas foram as alterações que tiveram de ser implementadas, até mesmo nas agendas dos atores internacionais. Com efeito, a XXVII Cimeira Ibero-Americana que se deveria realizar a novembro de 2020, teve de ser adiada para o próximo dia 21 de abril de 2021. Para além disso, as razões pandémicas que justificaram este adiamento podem ser motivo suficiente e necessário para alterarem o paradigma deste encontro.
O tema proposto para a cimeira é o da inovação para o desenvolvimento sustentável, um tema que até ao embate da pandemia era certamente um daqueles que mais unia a humanidade em relação aos desafios do futuro. No entanto, o surgimento da Covid-19 veio potencialmente alterar as prioridades da sociedade, já que as medidas restritivas que a pandemia exigiu acabaram por resultar numa crise socioeconómica significativa, com o aumento do desemprego e da pobreza generalizada em todo o mundo. Segundo a ONU, a América Latina inclusive é a região mais afetada pela crise sanitária, contabilizando cerca de 22 milhões novos pobres em 2020. Tendo isto em conta, será que o tema da Cimeira Ibero-Americana devia ser alterado tendo em conta a urgência da situação que se instalou nos Estados-Membros europeus e especialmente americanos da comunidade?
Numa situação em que o continente americano é apontado como o mais desigual no mundo, com uma taxa de pobreza de 33,7%, os esforços pela sustentabilidade podem não ser os mais importantes. Claro que sabemos que as alterações climáticas podem colocar igualmente milhões de pessoas em situações de pobreza, mas podemos considerá-lo como consequências a longo prazo, enquanto que as represálias da Covid-19 estão a ter um impacto a curto-prazo que já estão a afetar pessoas em todo o mundo.
Na cimeira que se aproxima, não seria indicado a eliminação do tema da sustentabilidade na sua totalidade a troco do crescimento económico. Afinal, é um tema que não podemos ignorar. Não podemos descartar os benefícios a longo prazo pelos benefícios a curto prazo, pois o custo seria demasiado elevado para as gerações futuras. Portanto, a solução mais apropriada, que é aquela que os membros da comunidade concluíram, é o do ajustamento do tema da sustentabilidade adequada aos novos desafios levantados pela Covid-19. A resposta à situação pandémica deve apostar na multilateralidade e na sustentabilidade do crescimento económico. Este fator é especialmente importante se nos recordarmos do acordo pendente entre a UE e a Mercosul, que perto da sua fase final pode agora encontrar um entrave político, com Estados-Membros europeus a levantarem questões em relação ao compromisso dos Estados Mercosul em relação às alterações climáticas, especialmente o Brasil. Neste âmbito, o compromisso em relação às alterações climáticas é essencial para a conclusão de um acordo que promoverá as relações entre a Europa e a América Latina, e que será significativo para, em última análise, a região fazer frente à situação socioeconómica que enfrenta.
Portugal enfrenta os mesmos desafios económicos provocados pela Covid-19 que os seus aliados da comunidade ibero-americana. A cooperação dentro da comunidade será importante para o crescimento económico, no entanto, os aliados podem dar um passo mais largo em direção à promoção da cooperação política, e neste âmbito, o compromisso da sustentabilidade será muito importante para a conclusão do acordo UE- Mercosul.
Numa altura em que todos os aliados enfrentam desafios da mesma ordem, torna-se imperativo apostarmos na multilateralidade, pois certamente que mais facilmente enfrentaremos problemas globais de forma igualmente global. Neste esforço, a aproximação da Europa e América Latina apoiada nas relações ibero-americanas é fundamental, e Portugal poderá ter uma posição privilegiada para o promover enquanto membro da comunidade ibero-americana e Estado-Membro da União Europeia que atualmente ocupa a presidência do Conselho da UE.
Texto: Jessica Flores
Edição: Filipe Domingues e Gastón Ocampo
(créditos imagem: https://blogs.iadb.org/gestion-fiscal/en/possible-macro-fiscal-consequences-covid-19-latin-america/)
Fontes
1Agência Lusa. “Covid-19: Aumento sem precedentes da pobreza na América Latina,” em Observador, 5 de Março de 2021. https://observador.pt/2021/03/05/covid-19-aumento-sem-precedentes-da-pobreza-na-america-latina/